Fome cresce no mundo e é potencializada na pandemia, diz ONU
Dados revelam que, de 2018 para 2019, mais dez milhões de pessoas haviam entrado para a lista das que passam fome. O medo de especialistas é que o número exploda em 2020
Manaus - Um novo relatório da Organização das Nações Unidas aponta para a crescente desnutrição crônica no mundo. O documento foi divulgado na segunda-feira (13) e mostra que, de acordo com estimativas, até 2019, a fome afetava 690 milhões de pessoas, no planeta. A preocupação de especialistas ainda é maior para 2020, já que a pandemia do novo coronavírus gerou grande impacto na economia e consequentemente na rotina de todos.
O dado da ONU gera mais impacto ao se analisar o resultado de 2019 com o de anos anteriores, já que o número representa dez milhões a mais de desnutridos, se comparado a 2018, e 60 milhões a mais do que 2014. Ou seja, mais pessoas têm passado fome a cada virada de ano.
“Se a tendência continuar, estimamos que, até 2030, esse número excederá 840 milhões de pessoas. Isso significa claramente que o objetivo (erradicar a fome até 2030, estabelecido pela ONU em 2015) não está no caminho certo”, disse Thibault Meilland, analista de políticas da FAO, em uma entrevista para a agência de notícias AFP.
A pesquisa da ONU foi feita pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com a colaboração do Fundo nas Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Programa Mundial de Alimentos e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O documento das organizações prevê que a pandemia eleve o número de famintos no mundo para 83 a 132 milhões de pessoas a mais do que os atuais 690 milhões.
A fome na pandemia
Assim como mostram os dados da ONU, a fome é um problema antigo. O mesmo é atestado por Marcelo Seráfico, sociólogo com conhecimentos em desenvolvimento e globalização.
"A origem da fome não é ela mesma. Essa falta de alimentação é o problema como se apresenta, mas a origem é no modo de estruturar a economia. O modo que prefere concentrar poder e propriedade na mão de poucas pessoas, que usam esse poder para acumular riquezas privadas", afirma o especialista.

Segundo ele, o fenômeno faz com que poucas pessoas tenham muita riqueza, enquanto outras muitas dividam pouco dinheiro e alimentos. A chamada desigualdade de renda.
"Isso se agrava [durante a pandemia] porque você tem uma situação em que a condição econômica das pessoas se precariza ainda mais e esse controle é mantido, o que significa dizer que todo um contingente de pessoas que antes podia se alimentar pelo menos para sobreviver, agora nem isso vai poder. Essa população mais pobre talvez comece a cair na condição de famélica, de experimentar a fome de fato", afirma o sociólogo.
Marcelo ressalta ainda que a fome, além do problema social, tem ainda camadas que afetam a saúde pública, a política e até a economia.
Fome: um problema econômico
Como o sociólogo defendeu, a fome é considerada um problema econômico. É como explica Wallace Meirelles, professor e economista. Segundo ele, tudo está interligado.
"Com toda certeza a fome e a marginalidade das pessoas mais pobres, que no Brasil é gigantesca, afeta e muito a economia. Isso acontece também em uma parcela enorme nos países pobres", afirma o especialista.

Ele ressalta que hoje, durante a pandemia, se fala muito sobre economia. Mas alerta para o risco de não se pensar nas pessoas.
"A economia está indo para trás porque a sociedade está indo para trás. É só ver, temos mais de 70 mil mortos no Brasil. Esse número está baixo, tenha certeza que na real são muito mais óbitos e isso mostra a pouca participação do Estado na resolução de problemas. Isso vai afetar tudo, inclusive a fome, porque as pessoas estão sentindo o peso do momento que vivemos", comenta Wallace.
E as previsões do economista para o futuro não são as melhores. Ele explica que, depois de uma crise, uma economia não se recupera rapidamente. A melhora é gradual e pode levar dois ou três anos.
"Estudei grandes períodos de crises econômicas e digo para você, nem durante a Primeira Guerra Mundial a economia parou tanto quanto agora. Por isso todos precisamos nos unir em acordos multilaterais para enfrentarmos problemas comuns, dentre eles, a fome", afirma o economista.
Desnutrição não é só fome
Que precisar de comida e não ter é um problema, é unanimidade. Mas aspectos de desnutrição são bem mais complexos do que isso. Para explicar o que é cada conceito, o EM TEMPO entrevistou Ana Margarida, nutricionista.
A profissional conta que a fome é caracterizada pela falta de alimentos no organismo por períodos prolongados, causando sensações de desconforto e dor.

"Essa sensação é devido à falta de energia que o organismo precisa para continuar com suas atividades vitais. Quando há um período muito prolongado sem alimentos, essa sensação pode se agravar causando mal-estar, dor no estômago, fraqueza e chegar a um óbito", afirma a especialista.
Além da fome, há também a desnutrição, que não é a mesma coisa. Segundo Ana, esse conceito pode ser definido em três grupos diferentes, segundo a Academy of Nutrition and Dietetics (AND) e da American Society of Parenteral and Enteral Nutrition (Aspen). Veja abaixo as categorias.

Além da desnutrição e fome, há ainda um último fenômeno que tem sido potencializado durante a pandemia, segundo especialistas. É a insegurança alimentar.
"É chamado assim quando o acesso e a disponibilidade de alimentos são escassos. Se uma família não tem acesso regular e permanente à alimentação, em quantidade e qualidade adequadas, ela está em situação de insegurança alimentar", explica a profissional.
Ela alerta para a pandemia da Covid-19 e como a crise representa uma ameaça à segurança alimentar e nutricional, em especial às comunidades mais vulneráveis do mundo. "Corremos o risco de assistir a uma emergência alimentar global", finaliza a nutricionista.
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