‘Não me calo para machista, muito menos gabinetes do ódio’
Vice-presidente da Aleam, a deputada Alessandra Campêlo critica o machismo ainda presente no Legislativo e a falta de transparência na gestão
Manaus - Parlamentar de segundo mandato, pela primeira vez vice-presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), desde fevereiro de 2019, a deputada Alessandra Campêlo (MDB) tem assumido, neste ano, a linha de frente na representação do Parlamento estadual, com o papel que lhe cabe diante de uma sociedade, hoje, fortemente atingida pela maior crise sanitária dos últimos 100 anos.
A deputada que se formou como jornalista pela Ufam, cresceu politicamente no antigo PMBD, hoje MDB, e tem se destacado como a voz do Legislativo em debates como o dos efeitos da Covid-19 sobre o Amazonas e na defesa do processo legal no Legislativo, na contramão até mesmo da linha política do presidente da Aleam, deputado Josué Neto (PRTB), ex-parceiro político que hoje ela critica pela falta de compartilhamento das decisões da gestão do Poder.

Alessandra, que chegou a ser a única mulher num parlamento de 24 deputados, hoje divide o discurso pela causa feminina com mais três mulheres. Deste modo, tem se fortalecido ao ponto de denunciar, com mais energia, o “machismo” que, segundo ela, ainda é muito forte numa casa que renovou muito na última eleição. Leia a seguir mais detalhes na entrevista exclusiva ao EM TEMPO.
EM TEMPO - Vivemos hoje a maior crise sanitária da história recente do país e do Amazonas. Apesar de várias iniciativas individuais no parlamento estadual no enfrentamento à pandemia, o Poder de modo geral tem saído para a visão crítica como se não estivesse preocupado com o problema. Na sua avaliação, o porquê disso?
Alessandra Campêlo - Desde o início da pandemia, tenho trabalhado para colaborar com autoridades de saúde e demais poderes na prevenção e combate ao novo coronavírus. As nossas ações incluem a articulação para a garantia de recursos para pagamento dos profissionais de saúde; envio de emendas específicas para o combate à Covid-19; distribuição de equipamentos de proteção individual e medicamentos para o interior; apoio federal; visitas e fiscalizações in loco para pedir a ampliação de leitos e a melhoria do atendimento à população. Temos ainda uma grande preocupação com a economia na pós-pandemia, já que será necessário um grande esforço de todos os entes públicos e privados para a retomada segura dos diversos segmentos. O meu compromisso é com a vida, mas infelizmente tem que gente que ainda não saiu do palanque.
ET - Por que a senhora é contrária ao processo de impeachment do governador do Estado e do seu vice-governador?
Alessandra Câmpelo - É inoportuno e politiqueiro, tanto que a Justiça suspendeu a tramitação do processo no meio da semana. Querem jogar no colo do governador uma crise de saúde de impacto mundial e acredito que estamos perdendo tempo e gastando energia com essa discussão, num momento em que a administração precisa de ajuda de todos, inclusive da Assembleia Legislativa, para minimizar os impactos sociais e econômicos causados pela pandemia.
ET - Em que a tramitação do pedido de impeachment atrapalhou a Assembleia Legislativa do Amazonas, até a decisão do Poder Judiciário de suspender o seu andamento?
Alessandra Campêlo - Além dos problemas técnicos recorrentes durante as sessões virtuais da falta de transparência na tramitação das proposituras, o debate em torno do pedido de impeachment praticamente paralisou o funcionamento da Casa, acirrando ânimos e prejudicando a apresentação de projetos de lei, indicativos ao governo, análise de vetos e outras questões. Era para estarmos debatendo soluções, mas o que se vê é oportunismo sobre cadáveres e o sofrimento das famílias.
ET - A senhora acredita que o processo deve voltar na pós-pandemia e se ele terá sustentação na casa? Por quê?
Alessandra Campêlo - Eu confio na Justiça e nos órgãos de fiscalização, como a própria Casa Legislativa que está procurando fazer a sua parte. Nenhum deputado da base é contra as pautas da oposição, porque é prerrogativa de todos os parlamentares fiscalizar e acompanhar os atos do Executivo. Tudo pode ser levado ao TCE, MPE, e o que não se aceita é a tentativa de tomada de poder com atropelo do Regimento Interno e da Constituição Federal.
A Assembleia precisa dar exemplo de austeridade, enxugando custos, cortando gastos desnecessários, mudando procedimentos. A prioridade deve ser a manutenção dos serviços essenciais, como saúde, educação e segurança, e fortalecer junto com o governo as iniciativas legislativas que possibilitem a retomada da atividade econômica "
Alessandra Campêlo, vice-presidente da Aleam, sobre o papel do Parlamento estadual durante a pandemia
ET - Hoje, as autoridades de saúde nacionais e internacionais recomendam como medida efetiva contra a expansão da pandemia, o isolamento social. A senhora tem defendido o retorno das sessões plenárias. Por quê? Não causaria aglomerações esse retorno?
Alessandra Campêlo - Na verdade, a proposta trata da realização de sessões híbridas, ou seja, presencial e remota, igual acontece na Câmara dos Deputados. Dessa forma, os servidores que fazem parte do grupo de risco continuam cumprindo o isolamento social e fica facultado o acesso remoto aos colegas deputados que preferirem participar das sessões em casa.
O requerimento que apresentei tem objetivo de dar mais transparência aos trabalhos da Casa. A atuação dos parlamentares durante as sessões virtuais tem sido prejudicada por conta de problemas na tramitação de projetos e proposituras no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL). Embora tenha proposto a volta das sessões presenciais, destaquei a necessidade de que todas as medidas de distanciamento social sejam obedecidas. Cada deputado ou deputada teria o máximo de cinco assessores no prédio. O trabalho da imprensa, por exemplo, poderia ser feito da galeria, com entrevistas no hall. Já a captação das imagens pelos cinegrafistas e fotógrafos seria feita de forma organizada e controlada, com o mínimo de profissionais no plenário.
ET - Na última eleição, o Parlamento estadual passou por uma grande renovação de mandatos. Muitos deputados novos de primeira viagem. A senhora, no seu segundo mandato, acredita que o Poder perdeu a mão nos últimos dois anos? Falta amadurecimento no Legislativo hoje?
Alessandra Campêlo - A democracia é um processo constante de renovação e amadurecimento. Todas as deputadas e todos os deputados que estão lá foram eleitos e são legítimos representantes do povo, com trabalho reconhecido nos seus segmentos e nas suas bases sociais. Eu acredito que o Legislativo tem procurado fazer o seu papel, cada um a sua maneira, mas sempre pensando em colaborar com o desenvolvimento social e econômico do Estado.
ET - A Assembleia Legislativa hoje é um Poder com quatro mulheres eleitas. É a primeira vez que isso acontece. Nas últimas semanas tem ecoado muitas reclamações sobre “machismo” nas sessões plenárias remotas. O Poder ainda é muito machista? Como e por quê?
Alessandra Campêlo - Sim. A mulher, quando usa um tom mais incisivo ou até mesmo levanta a voz em determinadas situações, é chamada de louca, histérica e rude. Nessa semana, eu e a deputada Joana Darc fomos chamas de ‘Marias do Bairro’ por um colega de parlamento durante a sessão ordinária. Por causa de situações como essa, no ano passado, a Aleam aprovou o PL nº 352/2019, que institui o Estatuto da Mulher Parlamentar e Ocupante de Cargo ou Emprego Público, com o objetivo de evitar qualquer tipo de assédio político e violência política contra mulheres parlamentares e mulheres que ocupem cargos públicos na Administração Estadual. Nós queremos ter o direito de legislar e de exercer o nosso papel sem assédio, sem ofensa e sem violência. Eu não me calo para machista, para covarde e muito menos gabinetes do ódio montados com dinheiro público.

ET - O que fazer contra o machismo que ainda se sente num Poder onde poucas mulheres tiveram oportunidade de fazer a sua gestão?
Alessandra Campêlo - Esse é um desafio que começa pela educação, que passa pelos lares, pelas famílias e que precisa do envolvimento de todos os poderes. Como deputada, apresentei projetos que criam campanhas permanentes de combate à violência contra a mulher e ao feminicídio nas escolas e também no âmbito do Poder Legislativo. Essa semana todas nós mulheres ficamos chocadas com mais um feminicídio em Manaus, a da Kimberly Mota, assassinada barbaramente, simplesmente por ser mulher, por ter sido companheira de alguém. Obviamente nenhum crime é aceitável, nenhum assassinato é aceitável, mas alguém morrer só porque é mulher? Nós não podemos aceitar isso.
ET - Hoje, a senhora, como primeira vice-presidente do Poder, consegue perceber uma gestão compartilhada da presidência com a Mesa Diretora? Como poderia ser melhor?
Alessandra Campêlo - Infelizmente isso não tem acontecido. A gestão é compartilhada apenas quando há conveniência, é só ver como se deu o início do processo de impeachment do governador e do vice, algo inédito no mundo aceitar o pedido de afastamento até do vice-governador, que está lá justamente para substituir o titular. Outro exemplo foi a instalação da CPI da Saúde, com manobra da sessão online e escolha dos membros sem ouvir os líderes partidários. Para melhorar, é só o presidente entender que a Assembleia é formada pelos 24 parlamentares, não existe um soberano.
ET - Como a Assembleia do Amazonas poderia se tornar mais efetiva no enfrentamento a pandemia?
Alessandra Campêlo - Para isso, é preciso deixar a questão eleitoral de lado, é trabalhar para colaborar efetivamente com o governo. Eu estou todo dia fazendo a minha parte, inclusive colocando a minha saúde e a saúde da minha família em risco, acompanhando a situação dos hospitais. Nenhum sistema de saúde do mundo estava preparado para essa crise, e já passou da hora de união em torno do combate ao único inimigo que temos hoje, que é a Covid-19.
ET - Fora da Assembleia, os números mostram falhas ou ausências de políticas de proteção das mulheres, principalmente agora durante a pandemia, que precisou de medidas de isolamento social. O que o Poder tem feito para combater a violência contra as mulheres?
Alessandra Campêlo - A Comissão da Mulher da Aleam tem trabalhado de forma intensa em conjunto com a Polícia Civil, Ministério Público e Tribunal de Justiça do Amazonas no sentido de alertar as mulheres para que façam as denúncias e mostrar que elas não estão sozinhas. Estamos lançando uma campanha de combate à violência doméstica contra as mulheres neste momento que vivemos. A ideia é usar as redes sociais para alertar a sociedade sobre a importância da denúncia pelo disque 180 ou 190. As mídias sociais da Aleam têm um grande público, que aumentou por conta da transmissão das sessões online.
ET - Especialistas apontam que a pós-pandemia pode acontecer ainda neste ano, mesmo depois de uma grande segunda onda do vírus. Como a senhora avalia que a Assembleia será depois dessa crise histórica?
Alessandra Campêlo - A preocupação de imediato é vencer essa primeira onda que, infelizmente, ainda não passou e tem causado enormes problemas sociais e econômicos para a nossa população. Assim com outros segmentos, a Assembleia precisa se reinventar diante dessa crise. Os efeitos econômicos da pandemia serão sentidos na indústria, no comércio, nos serviços, com queda prevista de mais de 4% do PIB. A Assembleia precisa dar exemplo de austeridade, enxugando custos, cortando gastos desnecessários, mudando procedimentos. A prioridade deve ser a manutenção dos serviços essenciais, como saúde, educação e segurança, e fortalecer junto com o governo as iniciativas legislativas que possibilitem a retomada da atividade econômica.